sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Natalino



Natalino andava por aí.
Não tinha mulher, amigos,
dinheiro ou marido.

Pelas andanças, era querido.
Mesmo quase não sendo.
Quase inexistindo.

Riu, brincou,
tocou pandeiro,se enturmou.
Estava ali. Quase reconhecido.

Uma amizade quase camarada,
Uma ideia quase trocada,
uma risada, ora sincera,
ora forçada.

Se sentiu.
Fez parte daquilo.
Um misto existir,
inexistindo.







(Inde) pendente



Independente eu sigo,
e vou...
De amarras não vivo.
Acredito.

Digo por aí
Digo que sim.
Mas por fim,
é dito pelo não dito.

Me escravizo.
E sirvo.
Não vivo.
Mas sigo.

De amarras não, não vivo!
Acredito eu, comigo.
Num belo discurso.
Quase infalível!

Independente eu sigo.
Aqui e ali.
Dizendo isso e aquilo.

Num repente...
Duvido!

Comigo, contigo,
Desdizendo, desentendido,
Aqui, ali, em qualquer lugar
(inde) pendente eu sigo.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

O poeta

Ele é pecha.
É peça. É roteiro.
É inteiro, é fragmento,
é metade
Otimista nem tanto
Por vez, arrogante.

Diz desdizendo
atrapalha entendendo
explica pra confundir
cuidado pra não cair

é amor rasgado
ódio dilacerado
é tudo de uma vez
no mesmo tempo ao contrário

poema, poesia, rima
poeta tem até calendário!
poeta tem até dia...
quem diria?
eu mesmo não sabia

Período Eleitoral

Período eleitoral
votar é obrigação social
ter modos cívicos
obrigação moral

me cansa esse teatrinho
e de longe
o que realmente vale
é uma preguiça mental

é muita estrela
doutor
padre ou policial
dando aula, intelectual

Todo mundo resolve
ensinar.
Salvar nós mesmos
de nossa própria ignorância

pseudoecléticos
pseudoéticos
pseudo
psi
ps

Estrada

Destino
Desatino
Caminho
Caminhada
não importa a chegada
importa
a estrada

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Artego de arte

Fui pro samba
cai na roda.
piada pronta.
verso em prosa.

escrevi artigo meu,
comigo, mim, eu.
Tete a tete,
roteiro de cinema,
poema.

Eu, faço arte.
Tu, quer também.
Eles, me admiram, querem fazer parte.
Vós... Amém!

Na roda, no salão ou no boteco
Meu estilo se veste de arte.
Alter ego, ego, arte e ego.
Artego de arte.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Pretenso

Pretendia ser livre
pretendia voar
pretendia ir
quem sabe voltar

Nunca entendeu quando chegou lá
e vendo um pássaro voar
até mesmo seu voo
já estava traçado no ar

então, antes que pudesse
entender a liberdade
olhou pra trás e,
enxergando um porto inexistente,
resolveu voltar

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Bostélix

Chafurdar na merda
xarope de bosta
chá de bosta
bife de bosta
bostologia
bostanismo
essa dieta
fidelix na certa

é o fim da bosta
uma pena
antes ela era até cheirosa

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Desconfiança


Desconfio
desconfio dos bons moços
dos que salvam o mundo todos os dias
dos que reciclam todo o seu lixo
dos que protegem a minoria de sua própria fobia

Desconfio
como um meandro no curso do rio que ele mesmo abandona
Acredito no curso que rompe e chega no mar.
Acredito, antes de tudo, no respeito, elementar.
não preciso levantar mil bandeiras
pro meu discurso justificar.

Em se tratando da vaidade, do ego,
muita conversa diversa e
sempre parados no mesmo lugar.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

E outros sonhos e outras coisas

                 E outros sonhos e outras coisas

É engraçado como as pessoas se deixam levar pelo calor das emoções dessa "imagem Brasil" construída pela grande mídia. É copa do mundo? Verde amarelo pra dançar o bunda-lêlê do futebol.. É carnaval? Pirilipimpim, tô na avenida ou no bloquin...É eleição? Pô, boto meu terno e vou falar sério...O vento assoprou? Igual a folha eu vou!

A consistência insiste no vazio. O mundo de um dia pro outro cai. Ou vibra. Ou briga, por causa do pastor ou do cheirador. O que vier é mais uma figurinha. Brigo com o o outro, com o vizinho, na família. Bate boca, bate a cabeça... Ideias...Ideias...mas como dizia Machado sobre Quincas Borba...poeira de ideias.

Mudar o mundo, a rua, o bairro, a cidade, o Brasil de um dia pro outro não precisa muito pra saber que é ilusão. O que de fato importa tá na cara do gol e tem gente chutando por cima da trave toda hora. 

Quando olhar pro outro ser humano e pensar em bater boca por causa de um candidato ou um time de futebol, aquele marciano, preto, amarelo, ou verde de bolinha amarelinha é você mesmo. Ele tá batendo de frente na sua realidade. É ali que importa. Começa ali.

Esquecer do pequeno e pensar que é lá de cima daqueles elefantes brancos que vem a mudança é uma burrice cega.

Viva a guaicurus.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Assembléia Popular Horizontal


Horizonte. Em Belo Horizonte existe politicamente um horizonte. Assembléia Popular Horizontal. A turma vai lá, de microfone aberto, discute, propõe, discorda, concorda, toma suas resoluções. Apresentam essas resoluções ao poder público que, no mínimo, tem que os ouvir. Já é um horizonte?

A APH tem vários outros mecanismos de democratizar o acesso às discussões e proposições de todos que desejam participar. Páginas eletrônicas (http://bh.assembleias.org/ ---https://www.facebook.com/AssembleiaPopularBH) permitem que qualquer pessoa se manifeste, proponha temas, até agende reuniões, convoque a Assembléia. 

Os trabalhos estão a todo vapor, a todo tempo novas resoluções e propostas são enviadas ao poder público. São várias as demandas e dentro das possibilidades elas estão sendo discutidas e quiçá viabilizadas.

A ideia da Assembléia urgia dentro de todos que a aderiram. Foi praticamente uma consequência da pulsão que culminou com as manifestações à época da Copa das Confederações. A assembléia surgiu oficialmente em 18 de junho de 2013.

A horizontalidade na democracia tem sido discutida há muito, tanto no meio acadêmico quanto na prática democrática. Em alguns países, como a Islândia por exemplo, a nova constituição que foi proposta já é um avanço nesse sentido (veja artigo de Vladimir Safatle: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/73502-um-pais-estranho.shtml,http://www1.folha.uol.com.br/colunas/vladimirsafatle/2013/07/1304694-medo-das-massas.shtml). O detalhe é que a Islândia tem apenas trezentos mil habitantes, ou seja, só Belo Horizonte é dez vezes maior. Lá, escolheram 25 cidadãos aleatoriamente para que formulassem a nova constituição. Obtiveram sucesso nessa empreitada e em meio a crise européia que assolou o continente não sentiram os seus efeitos.

Voltando a Belo Horizonte, o maior desafio, a meu ver, é que: discutir política onde já partimos do pressuposto que os conceitos políticos, formulados na academia, têm um prévio entendimento entre os "iguais" facilita bem o diálogo. Teses anarquistas, marxistas, capitalistas são discutidas com facilidade ali naquele meio. Por mais horizontal que se intente, são pessoas em sua maioria com acesso a esses conceitos e entendimentos acadêmicos, uma linguagem acadêmica. Por fim, uma minoria. Horizontal mas ainda sim limitada a uma elite política, pois a linguagem tal como é entendida ali é inerentemente política e exclusiva de uma pequena parcela da sociedade. 

O maior desafio seria horizontalizar essa "forma de dizer", essa linguagem. O desafio é, horizontalizando essa linguagem, esse discurso, alcançar a maior parte da população que ainda se vê distante dessa inclusão democrática horizontal. É alcançar os que serão os protagonistas em suas vilas, favelas, bairros distantes, marginalizados fisicamente da cidade. É dizer de Marx, Adam Smith e Bakunin na prática, não na teoria. É descomplicar o entendimento. É comunicar. Sem a pompa da academia.

Leonardo S. Faria

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

De fachada


O que delimita e estabelece as relações de uma sociedade com seus governantes? Que ferramentas o cidadão tem para fazer valer seus direitos como pagador de impostos? Uma sociedade se faz com instituições. Instituições são entidades que medeiam as relações dos cidadãos com seus governantes. São "supostamente" instituídas pela própria sociedade que, reconhecendo suas demandas, estabelece um modo de solicitar formalmente do Estado, a efetivação, a solução, para elas. 

Parece um caminho lógico, mas pouca gente entende de fato o porquê da existência das instituições, até porque o Brasil não percorreu esse caminho democrático para criação dessas entidades regulatórias. No Brasil todas as grandes instituições como os tribunais, as polícias, os órgãos dos poderes legislativos, foram impostos à sociedade, nada foi construído com diálogos e reconhecimento de demandas, ninguém entende nada. A diferença crucial da democracia norte-americana é essa. Lá, as instituições foram fruto de uma necessidade reconhecida, logo depois exigida e então instituída. Aqui, a vinda da família real em 1808 forçou a criação de diversas entidades democráticas de fachada que até hoje emanam poderes sobre um povo que não entende e, por isso mesmo, não reconhece. Reconhece porque as polícias e os tribunais não deixam opção, eles têm a força da lei e das armas para impor seus mandos e desmandos.

O Brasil só tem vinte e cinco anos que vota. É ainda um adolescente e tem muito a aprender de como se constrói um país onde os cidadãos entendem o porquê dos seus deveres e sabem como solicitar e requerer seus direitos. Entender como funcionam e porque existem as instituições é um passo apenas. O mais certo é estabelecer suas instituições de acordo com suas demandas. É uma construção da sociedade, não uma imposição para o povo. Enquanto essas instituições que aí estão exigirem do povo respeito e obediência sem dialogar e sem entender elas mesmas que não foram democraticamente consolidadas não haverá um consenso mínimo para a construção de uma democracia mais plena. Não é simples. Nem da noite pro dia. 

Leonardo S. faria
leozleo@gmail.com

terça-feira, 6 de agosto de 2013

O vazio na rede


Considerando o sucesso que a rede social obteve em mobilizar as últimas manifestações históricas no Brasil, e igualmente o poder em não conseguir estabelecer as diretrizes básicas ou correntes das ideias políticas - não acredito que haja posicionamentos apolíticos, ou sem ideais, ser apolítico já é uma escolha, um ideal - vale algumas observações sobre esse fenômeno da comunicação social.

Apesar de ser um veículo de comunicação mundial, público, ele só existe em função de uma ideia genial e de um empreendimento gigantesco particular. O facebook é uma ferramenta e, como toda ferramenta, há maneiras de se operar sendo umas mais eficientes que outras. Questões relacionadas à privacidade são em geral ignoradas por 90% dos usuários. Estão contidos nos termos de adesão que todo mundo sai clicando em "aceito" sem antes ler uma linha do que está escrito. Tudo bem que esses termos em geral são obrigatórios. Para além disso, há diversas opções de configuração que permitem ao usuário supostamente ter mais ou menos privacidade. Daí o primeiro exemplo de que a ferramenta tem seus caminhos para ser utilizada, melhor ou pior.

Um segundo ponto é que, hipoteticamente, partindo do pressuposto que os usuários estão atentos às primeiras questões aqui levantadas, as postagens, os compartilhamentos, as "curtidas" naturalmente criam uma seleção, escolhida pela própria rede do que irá aparecer para o usuário em questão. Ou seja, efetivamente, ela já não estabelece um contato de fato com o outro usuário operando desta forma seletiva. Isso é facilmente perceptível nos anúncios, escolhidos a partir desse mesmo tipo de personalização do usuário. A pergunta que fica nesse ponto é: Essa seleção é fruto de uma questão meramente binária, no sentido se o sujeito toma ou não toma cerveja "x" ela aparecerá para ele como anúncio? Ou será uma seleção que passa por uma orientação política, ideológica? Isso serviria tanto para os anúncios quanto para a seleção dos assuntos que mais aparecem na rede. Então, é bom tomar cuidado com essa tal liberdade aí estabelecida. Nesse sentido, veja a entrevista veiculada na Folha de São Paulo do ativista anti-facebook na Europa e que não deixa de usar a rede. ((entrevista com Max Schrems, estudante de direito em Viena)

Outro ponto é que diante de tanta articulação política - se comunicar é um ato inerentemente político - com certeza há muito de nada, um certo dadaísmo do narcisismo, do egoísmo e do individualismo. Isso não é relevante para a força de mobilização que a rede possui. Pelo contrário, essas pseudo manifestações do nada, como fotos de momentos pessoais em momentos felizes, enfraquecem consideravelmente a rede no sentido amplo da palavra. Explico: Rede só é rede se acessada e se a informação ali contida gera alguma repercussão no sentido da ação ou informação fática. Momentos pessoais estão mais para um big brother social autopromovido. 

Caberia então ao usuário, atento ao uso da ferramenta, explorando seu uso de forma a dinamizá-lo, escolher o que o interessa na rede. É claro compartilhamento de momentos pessoais são válidos e até necessários nessa selva urbana tão populosa mas ao mesmo tempo tão solitária. Mas o fato é que quando tratamos da força de mobilização de uma rede para as pessoas irem às ruas manifestarem-se é necessário atentar para esses detalhes.

Por fim, muito dessas manifestações impulsionadas pela rede social, e tendo nela a principal ferramenta de mobilização, tiveram também muito de nada, de oba oba e festejo sem sentido. Uma reunião de desejos e anseios diversos, antagônicos, muito mais impulsionados pelo evento esportivo que o Brasil sediava no momento do que de fato uma mobilização conseguida pela força da articulação em rede. Tanto é que o momento passou e a coisa acalmou. E nas redes as manifestações continuam por parte de quem ainda acha que há muito a conquistar e a protestar. Ou seja, quem de fato se mobilizou pela força da ferramenta da rede continua mobilizado.  

Essas observações levam a concluir que são poucos os usuários que utilizam a rede de forma efetiva, que conseguem de fato fazer girar informações e consolidá-las nem que seja como formação de opinião. E a grande maioria, como de praxe, continua vagando num big brother existencial de autopromoção de uma pseudo e forçada felicidade. E isso não será um fato que mudará da noite pro dia. Isso é só pra quem tiver interesse e disponibilidade. Não é pra qualquer um.

A rede não tem todo esse poder de mobilização ainda. Particularmente torço para que qualquer ferramenta pública de comunicação possa atingir esse objetivo. A rede está aí para ser usada e há como tirar melhor proveito disso. Enquanto isso esperaremos a Copa do mundo para ver multidões lutando por direitos nas ruas de novo? Espero que não.

Leonardo S. Faria
leozleo@gmail.com
   

terça-feira, 16 de julho de 2013

Uma alegria fugaz


Rotina. Cidade grande, lotação, engarrafamento, subemprego, desentendimentos no trabalho, família, um transeunte, pressão por todos os lados, não aceitação, não realização. Sonho. Tranquilidade, carro do ano, salários dignos, viagens, avião, um grande emprego, um grande amor, ser aceito por todos, querido, engraçado, elegante, bonito...feliz. 

Com sonhos tão grandiosos é fácil encontrar um motivo para a frustração. Quando entro em um metrô lotado com aquele tanto de gente espremida penso: Quantos sonhos aqui reunidos! Quantas possibilidades de sonhos e caminhos a percorrer para além daqueles trilhos! Caberão tantos sonhos nessa realidade crua, inexorável? 

A possibilidade, mesmo remota, de se tornar um sucesso no trabalho, nas relações, no amor, impulsiona a vida. Aos poucos, as coisas muito grandiosas vão cedendo lugar aos pequenos momentos de alegria. Percebe-se que é muito mais grandioso o olhar do que o próprio fato em si. A dimensão da grandiosidade está do lado de dentro. Tudo o que é demais está nos cinemas, novelas, televisão e o indivíduo que tem como parâmetro de normalidade aquilo que ele vê nas telas da ilusão é fadado ao sofrimento. Os iguais andam de ônibus e metrô. Não dá pra ter um jatinho particular e uma mansão individual pra todo mundo. 

Há alguns momentos em que nos sentimos iguais de fato. Onde percebe-se a complexidade do convívio social. Alguns são incômodos, como uma lotação no meio do engarrafamento. Outros são alegres, como na praia, um dos lugares mais democráticos do mundo, onde todos estão resumidos a um calção e um chinelo no máximo. Nos estádios de futebol, onde todos estão vestindo a camisa do seus times, torcendo juntos, esquecendo-se por um momento de seus sonhos e frustrações individuais. Onde sultões, pés de chinelo, classe média, numa mistura de anseios não alcançados, sonhos não vividos, esperam pelo grito de gol. E naquele pequeno instante, abraçando-se todos, numa mistura única, só permitida e existente ali, todos sentem-se iguais. Todos acreditam por um momento que são um sucesso. 

Uns chamarão de grande bobagem, a vida é muito mais do que isso, dirão outros. Mas para alguns a vida é feita pequenas parcelas de alegria que impulsionam o existir. O que para muitos não é nada, para outros a vida não é nada mais que um momento de alegria entre vários de percalço. E sim, em meio a tantas coisas francas e inescapáveis que a vida nos oferece, eu quero um instante de alegria fugaz. 

Leonardo S. Faria
leozleo@gmail.com

terça-feira, 2 de julho de 2013

Revolução na minha rua


O campeão voltou e o gigante parece que vai voltar a dormir. Depois de quase um mês de agitações fervorosas, manifestações pacíficas, em geral com meia dúzia de pessoas quebrando o pau, o Brasil, time de futebol, é campeão. Quanto ao Brasil nação, continuam  os preparativos para montagem de um time digno de ser campeão em algum quesito, por exemplo educação.

Passado o momento de euforia, o que esperar de tal situação? Agora não tem copa, não tem Fifa, não tem seleção nem mídia estrangeira. 

Inocente afirmar que essas manifestações foram espontâneas. O evento esportivo que o Brasil sediou com sua grandeza internacional é sem dúvida o estopim que levou os manifestantes a saírem de suas poltronas. Catalizou insatisfações históricas do brasileiro com a precariedade dos serviços públicos essenciais como saúde e educação, segurança pública e principalmente o descaso e desrespeito dos governantes com o cidadão.

Não são anos nem décadas apenas, são séculos de descaso e de falta de respeito com a população. A distância dos políticos é enorme. Basta ver Brasília. É o grande símbolo da distância que os homens do poder estabeleceram com seus vassalos.

O povo foi às ruas, percebeu seu poder de parar a vida de todo mundo, pensaram em greves gerais, sonharam mundos melhores. Fizeram fotos: Os revolucionários!  Burgueses, barbudos comunistas e desdentados, todos juntos. Cartazes demonstravam os diversos anseios, diversos quereres. Sentiram o poder de serem ouvidos, vistos. Sentiram o poder do povo unido. 

O povo se uniu nas ruas e para além do senso comum de que estão todos prejudicados, roubados, seus anseios são diversos e até contraditórios. Só para demonstrar: A classe média diz que seu ônus é maior, e que além de pagarem os altos impostos, bancam essas tais "bolsas miséria". Já os beneficiários destas bolsas acham que ainda é pouco o que recebem ante ao total descaso do poder público. Escolas de baixíssimo nível, professores mal pagos, sistema de saúde deplorável, moradias em locais irregulares, sem saneamento básico. O aparelho estatal mais presente para eles é o policial. Em tudo que fazem (beber, comer, andar de ônibus...) pagam o mesmo que a classe média, pois os impostos que sobrecarregam os brasileiros estão até na balinha da esquina. 

Estarão mesmo, interesses tão antagônicos e contraditórios, atados aos mandos e desmandos dessa classe política nada representativa? Será mesmo o caminho do voto a única solução?

O desgaste do sistema político com seus partidos obsoletos, as restrições à candidaturas ligadas ao poder aquisitivo e financeiro não mais convencem. A população assistiu ao erguimento de 15 estádios de primeiro mundo no prazo recorde de pouco menos de dois anos. Será mesmo tão difícil fazer isso com escolas e hospitais? 

A nação ao menos tem que tirar uma lição disso tudo. A política não pode estar em Brasília a 1200 km de distância. Nem mesmo restrita às câmaras de vereadores ou assembleias legislativas. A lição é que não se pode esquecer que somos essencialmente animais. Diferentes dos outros por conta de que, além de possuir os polegares opositores, somos políticos por natureza. Em cada gesto ou contato social somos políticos. Não podemos olhar para aqueles seres engravatados nas tribunas e achar que são marcianos. 

A política começa com seu vizinho, na sua rua, seu bairro. Ninguém pode decidir melhor os rumos de uma rua ou de um bairro do que seus próprios moradores. Para isso, existem as associações comunitárias, conselhos locais e regionais de assistência social entre outros aparelhos políticos. Além disso, nada impede que se criem novas associações ou entidades do tipo. Quanto mais os moradores são participativos nessas redes mais elas têm força política de decisão. 

A sociedade é naturalmente uma complexidade de anseios individuais reunidos, antagônicos, paradoxais. O maior desafio é abandonar os valores individuais egoístas e estabelecer o que mais se aproxima de um bem comum. Isso parece óbvio mas está longe de estar consolidado. E quanto mais relegar essa função aos marcianos do poder mais distante de uma realidade plausível, local, palpável estaremos.            

Leonardo S. Faria

terça-feira, 25 de junho de 2013

Os infiltrados


O Gigante acordou! Mas um movimento muito interessante (#volta a dormir brasil) pontua alguns "is" disso tudo que vem ocorrendo pelo país. "O gigante acordou!" foi o mesmo slogan usado pela marcha na qual parte da população brasileira apoiou a intervenção militar, momentos antes da instalação do regime no Brasil.

Por mais que os meios de comunicação em geral têm dado ênfase a esse renascer da nação adormecida, tem se dada muita atenção aos atos de vandalismo presentes nos manifestos. A rede bobo pra variar, foi capaz de, ante aos 299.999 mil pessoas que estavam pacificamente nas ruas do Rio de Janeiro, colocar um helicóptero para cobrir meia dúzia de elementos que causavam quebradeira. Ficou exaustivamente mostrando cinco pessoas correndo pra lá e pra cá. Esvaziou qualquer possibilidade de aprofundar o entendimento do que está de fato ocorrendo. 

Particularmente penso que cada vez menos essa força global ( Veja o documentário: Muito além do cidadão Kane), está presente na formação da opinião pública nacional, principalmente em se tratando da parcela de pessoas envolvidas nestes protestos atuais. 

Em Belo Horizonte, mais de 120 mil pessoas foram às ruas. Da mesma forma, duas dúzias de elementos enfrentaram o cerco da Polícia militar. A resposta foi em forma de bombas de gás lacrimogênio lançadas aleatoriamente em meio à uma multidão pacifica onde havia médicos, crianças, engenheiros, advogados, aposentados e em atividade. No noticiário da rede bobo a reação violenta PMMG foi justificada por conta da ação daquela meia dúzia de sujeitos. Declarações do coronel da PMMG à Folha de São Paulo são no sentido de que "repensem a atitude os pais que permitem aos filhos irem às manifestações na quarta-feira, dia do jogo do Brasil" onde é esperada a maior manifestação em Belo Horizonte. Em relato, um professor de medicina presente nos protestos (leia aqui) levantou fortes suspeitas de que vários dos elementos envolvidos nos confrontos são policiais à paisana incitando a violência e dificultando o atendimento de feridos. Gravíssimo.

O movimento # volta a dormir Brasil pontua questões como o perigo da força de atitudes fascistas, protestos vazios e sem sentido, o militarismo à espreita mais uma vez. Demonstra, até sem que seja sua intenção, a complexidade do que está ocorrendo no Brasil. A multiplicidade vozes, com diferentes anseios, até contraditórios entre si. Protestos dentro de protestos. 

Independente dessas contradições, parecem ser uma unidade, um basta contra esses velhos discursos bem vestidos e mal intencionados. Essa violência e depredação que vem ocorrendo não faz parte da pauta primordial dos envolvidos. Os que envolvem-se em atos de vandalismo não são necessariamente seres do "mal" que vão com intuito de avacalhar, depredar. Existem sim estes oportunistas que vêm cometendo assaltos. Mas em ambientes fervorosos como estes, multidões de gentes de todo tipo, em grupo, sozinhos, organizados ou não, se trata de uma manifestação em massa. Emoções diversas estão ali contidas e basta uma fagulha de chama para que se exploda. É muito raso esse discurso de bem e mal, sempre a tolher as possibilidades de reflexão, ou são mocinhos ou são bandidos. Esse lugar comum já está fora de moda até em contos de fada. Quanto mais em um momento como este.

Leonardo S. Faria 
leozleo@gmail.com

Carta do Prof. de Medicina Giovano Iannotti, relata má vontade da PMMG em prestar socorro à feridos e até o envolvimento de policias à paisana estimulando o confronto com a própria PM.

acesse aqui

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Vândalos?


"Não são vinte centavos!" 

Era sim, a gota de d`água. A euforia a que essa nação tinha direito, afinal, não poderia ser mais um carnaval. À pátria, já deram seu corpo e com a voz que lhes resta, com a veia que salta, o sangue ferveu. E sim, numa qualquer, numa dessas várias desatenções, era a gota  d´água.

Essas velhas e novas cidades viram cada paralelepípedo se arrepiar. Nessa página infeliz da nossa história, desta vez a nação não dormia, não apenas no facebook se distraía, e percebia sim que era subtraída em tenebrosas transações. 

Levando pedras feito penitentes, não mais esperam uma alegria fugaz, ante ao erguimento de estranhas, quase estrangeiras catedrais. Não baterão mais palmas aos barões famintos. Não esperarão mais o trem, a sorte, o aumento para o mês que vem. Não sabem o que esperam, mas talvez no fundo, esperem alguma coisa mais linda que o mundo de hoje, maior do que seus próprios mundos de agora, algo maior do que o mar e sim, eles querem e ainda acreditam sonhar. Não terão mais o desespero de esperar demais. Não voltarão atrás. 

Meu Deus, vem olhar! Acordando, ainda que tarde, vem ver de perto nossas cidades a cantar! Vem ver de perto a evolução da liberdade.

Leonardo S. Faria

* trechos das músicas Gota d´água, Vai Passar e Pedro Pedreiro de Chico Buarque
    



terça-feira, 11 de junho de 2013

A boca seca ainda sorri


"Que tiver que morrer, tô cansado, bicho meu não, que tiver que morrer de sede que seja eu.." Essas palavras de um agricultor do interior da Bahia, que perdeu todo o seu rebanho de sede. Não sobrou nada. Ele é só um dos tantos inseridos nessa miséria. 

Ontem, em reportagem do CQC, na Bandeirantes, mostrava-se o fedor da morte dos bichos. Dois anos sem chuva. Água. O que será a vida sem água?
O programa mostra detalhes sórdidos de um problema histórico. Historicamente elegendo governantes com promessas de água. Nada. Transposição do rio São Francisco que já chega  a um valor de 8 bilhões de reais, dutos ligando nada a lugar nenhum. O contrato de fornecimento de água por um caminhão pipa é com as Forças Armadas e todo mês tem que ser renovado. A seca já dura dois anos, mas o contrato é mensal e sempre há um período de renegociação que não há fornecimento de água. Burocracia, faltou um carimbo. Sede.

Lá, onde a seca impera haverá festejos? São brasileiros, assistem à novela das nove e o jornal nacional. Torcem pela seleção. Terão o samba no pé? A pele ressecada, a angústia de aguardar pelo próximo caminhão pipa - hoje ele virá? -, o próximo animal morto. 

Para sobreviver o homem necessita de mais do que a matéria. É ali, naquela situação onde é mais difícil enxergar o outro é que se reconhecem. Eles têm que contar com outro, não há chances sem essa escolha. Eles têm, que seja, inventar um motivo para solidarizarem-se. Um motivo que seja. Seja no samba do carnaval longínquo, na seleção brasileira ou na novela das nove. Um motivo para se unir. Aos trancos e barrancos. Para preservar lá no fundo, ainda que no cantinho da boca, um motivo pra sorrir.

Leonardo S. Faria

domingo, 9 de junho de 2013

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Vilão


Nada deve ser melhor que interpretar um vilão. Ele tem sofrimento certo, mas rápido, certeiro. É feliz durante todo o enredo. No entedioso e esperado final ele sofre, é maltratado, humilhado e morre. Assim, num estalo!
Já o bonzinho, o mocinho, carrega a pecha da moralidade, dos bons costumes, da ética, como uma cruz. Seu caminho é um calvário. São todos, no fundo, Jesus. Esperam - e têm certeza disso - o seu pedaço do céu, tão sofrido, tão sonhado. 
O mundo da arte é fabuloso. Causa admiração, euforia popular, ataque de nervos, chiliques. Mexe com o imaginário. Mas é a imitação alegórica da vida real. Sem chilique, sem faniquito, nua e crua.
O sucesso do vilão como personagem, nada mais é que o desejo inconsciente de esquecimento momentâneo dessa ética de ovelha, que no fundo, tem como seu desejo maior se tornar o lobo do final.
As grandes cidades vivem dias de horror com a violência urbana. A violência é privativa do Estado e seu aparato policial, e dos seres que não se submetem à ele, chamados bandidos, marginais. O cidadão comum não está aí. 
Naquela histórica campanha de desarmamento quem entregou sua arma? O cidadão comum certamente confiou nessa campanha. Mas pra quem já não tinha nada a perder ou a temer não se solidarizou com ela. O Estado cada vez mais armado e armando-se. Quase a totalidade das armas em circulação é oficial, de uso restrito, inclusive as encontradas na ilegalidade. É um mercado, exclusivo e fechado. Nele a ovelhinha cidadã não entra.
A arte imita a vida. Se alimenta dela. Nesse mundo hipotético o lobo apronta tudo e todas e ao final se dá mal. E até as ovelhinhas, por mais pesada que seja sua cruz, tem ao fim, seu momento esperado. O de ser lobo. E de fazer aquele lobo virar ovelhinha. Aplausos! É o espetáculo! Mas vida não imita arte.

Leonardo S. Faria
    

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Indefeso, o civil.

 (Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)
Veja o que ocorreu no parque municipal de Belo Horizonte, a defesa civil, com seus competentes técnicos, interditou os barquinhos de pau da lagoinha do parque!
Fui obrigado a realizar uma pesquisa para saber se houve alguma ocorrência relatando acidentes ou afogamentos no parque. Não houve nenhuma ocorrência em 70 anos. As canoinhas ficam lá, bonitinhas, esperando alguma família ou casal para dar umas voltas na pequena lagoa do parque.
Agora, a Defesa Civil exige que um Engenheiro Naval avalie as canoas para voltar ao funcionamento. Engenheiro Naval! Como diz o José Simão, "o país da piada pronta". 
Primeiro, sem desqualificar o trabalho da defesa civil, realmente estão verificando se há risco de alguma criancinha se eletrocutar ou morrer afogada no parque em plena diversão.
Mas falando sério. Engenheiro Naval é indicado para construção de navios! Não pra uma canoinha de pau. Aliás, como Estado tanto se preocupa com o bem estar de seus nacionais deveria interditar também as canoas de um tronco só, chamadas piroga, dos índios brasileiros. Defesa civil neles! Onde já se viu? 
Esse episódio só demonstra mais uma vez o desvario do ente público. Ele é capaz de criar um órgão que irá fiscalizar aos seus próprios entes. Tanto o Parque Municipal quanto a Defesa Civil são órgãos administrados pela prefeitura de Belo Horizonte. Até aí tudo bem. Confuso mas válido. 
O problema é saber porque é necessário um outro ente público para avisar ao próprio ente público de suas irregularidades, sendo que seria dever, uma autocrítica, corrigi-los.  E mais. Não só avisar é a questão. É que esse órgão também está punindo. Exigindo avaliações técnicas que custarão aos cofres públicos! Tudo bem! O dinheiro não sai dos bolsos destes técnicos muito menos dos administradores do ente, aliás, sabemos muito bem de onde sai o dinheiro que irá pagar as multas, os técnicos, a interdição e etc. 
É piada pronta mesmo. Enquanto isso nem passear de canoa pra fingir que nada disso existe pode. Seria cômico se não fosse trágico.

Leonardo S. Faria